“Repare”
No grupo de hoje uma das participantes, trouxe um
pensamento de Drumond: “Eterno, é tudo
aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se
petrifica, e nenhuma força jamais o resgata!”. Comentou sobre o risco das
coisas passarem despercebidas, mas ao contrário, podem nos marcar, de modo a ficar
“tatuadas no coração da gente”. Neste sentido, lembra-se do conselho da avó: “Repare!”.
Acredito que este chamado de atenção resume a beleza
do caminho do trabalho que percorremos nesta manhã: nós reparamos...
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"Se eu pudesse deixar algum presente a você... Deixaria a
consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo afora. Deixaria a
capacidade de escolher novos rumos. Deixaria para você se pudesse, o respeito
àquilo que é indispensável: Além do pão, o trabalho. Além do trabalho, a
ação. Deixaria aceso o sentimento de amar a vida”.
(Gandhi)
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Escutamos o comentário dela sobre esta tirinha: “A importância
da gente abrir os olhos, tentar olhar para a vida, tentar ver as coisas que a
vida nos oferece, de ensinamento, de lição de vida, para que a gente possa
abrir o coração... A expressão de felicidade do menino com uma pessoa dando
banho nele, e dando banho de caneca, nem água encanada tem, e essa alegria dele,
por estar recebendo aquela água, aquele banho... A felicidade está escondida
nas coisas mais simples da vida, como sentir a água no corpo”.
Ouvimos uma mensagem que instruía a “vencer a si mesmo” e outra afirmando que
“a chave para vencer vem do amor”.
Vimos a estudante que contou do programa que
assistiu na televisão, descobrindo um surfista que se salvou de um ataque de
tubarão, mas que perdeu um braço. Reparei no entusiasmo dela ao perceber a
grande vontade de viver daquele rapaz. Ao ponto dela afirmar: “Fiquei pensando
como o ser humano tem vontade de viver. Vi muito evidente como a vontade de
viver é absoluta. Ele não tem o braço, mas acho que não reclama porque olha
como um marco de uma vitória que viveu”. Reparei como as pessoas podem
aproveitar um programa de televisão para pensar: “Refleti sobre as cicatrizes
que muitas vezes a gente tem e que contribuem para outras experiências”.
Escutamos a leitura de uma mensagem de gratidão, lida
por uma das usuárias do hospital, comentando sobre um momento difícil dentro do
seu tratamento: “Só eu vi o semblante angelical de cada um de vocês quando me
viu chorando e o respeito que vocês tiveram com meu sofrimento. Pude perceber a
vontade latente de cada um de poder fazer alguma coisa por mim. O jeito de
vocês lidarem com a gente desfaz qualquer sintoma esquizofrênico paranoico, eu
garanto. Consigo ver claramente como vocês querem o meu bem e estão fazendo o
que podem”. Ela conclui seu relato, contando que o choro que começou motivado
pelo sofrimento, acabou misturado pela emoção diante da compaixão que foi
percebendo nas pessoas.
Ouvimos o relato de um participante que perdeu o tio
por suicídio. Contou que julgava ter um contato restrito com ele porque os
encontros se limitavam a poucas conversas sobre músicas, mas percebeu que
estava enganado: “Quando eu perdi ele, eu vi que às vezes você não percebe, mas
tem um apego grande com a pessoa”. Recorda-se de ver pessoas tratando mal os
outros e critica a sociedade onde cada um vive por si, concluindo que com mais
ajuda, a história do tio poderia ter sido diferente.
Escutamos ainda uma história que começou com um
sangramento persistente após um tratamento dentário. A participante conta que depois
de esgotar tentativas de colocar gelo no local, mesmo receosa de causar incômodo
ao profissional, telefonou em busca de orientação. Recebeu muito mais que do
que esperava, ganhou a visita dele e melhorou do sintoma e, mais que isso, uma inesperada
gratidão do profissional pela oportunidade de realizar seu trabalho: “Muito
obrigado pela oportunidade”. Reparei na surpresa dela diante do fato: “Ele
ainda agradece! Aquilo me deixou chapada! Que lição!”.
Fiquei pensando que ele havia tratado mais do que o
dente dela, tinha tratado a todos nós da ignorância sobre o significado de um trabalho
vivido como vocação. Esta história me ajudou a perceber e agradecer a duas
profissionais do hospital, presentes no grupo, com quem também tenho aprendido muito
sobre a dedicação ao trabalho.
Diante dos depoimentos, reparei na gratidão que foi
tomando conta de nós. Conclui que enquanto houver pessoas generosas o grupo
seguirá existindo. Reparei que participando do grupo, muitas vezes nos sentimos
convidados ao silêncio, percebendo que precisamos de tempo para cuidar dos
presentes que chegam.
Sérgio