Encontro Anual dos Grupos Comunitários


 


“A Vida Acontecendo” – 14/11/12


  O tema deste ano dos Grupos Comunitários colocou em evidência “A Vida Acontecendo”. Acredito que fomos muito felizes na escolha do tema porque o trabalho proposto foi um convite para olhar a realidade, de forma atenta, ao ponto de descobrir “não como a vida ocorre, mas como ela acontece”.


Uma provocação presente já na abertura do XV Encontro Anual dos Grupos Comunitários de Saúde Mental: “não estamos habituados a ver como presença uma folha presença, uma flor presente, uma pessoa presente. Não estamos habituados a fixar como presença as coisas presentes” (Giussani, 1995). Por isso, interessava aprender a “enxergar para além do que está óbvio”, a fim de perceber a potência que a realidade oferece.

Neste percurso, compreendemos que o maior desafio era desenvolver uma atitude que permitisse “prestar atenção e deixar-se surpreender” pela vida, o que tornava essencial apoiar-se na ajuda das pessoas simples e humildes. Aqueles a quem, com a leitura da poesia de Clarice Lispector, aprendemos a nomear como “bobos”. Afinal, “o bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir, tocar no mundo... O bobo tem oportunidade de ver coisas que os espertos não veem... Bobo não reclama. Em compensação, como exclama!”.

E como exclamamos neste encontro!!!

Verificamos que qualquer lugar comporta uma experiência valiosa e assistimos depoimentos que surgiram a partir de variadas situações cotidianas: escutando música, lendo um livro, assistindo um filme, caminhando na rua, visitando parentes, observando um jardim ou realizando um tratamento hospitalar.

O momento do sarau trouxe a descoberta de músicas e poesias capazes de trazer inspiração: “vejo alguém que algum dia em algum lugar sentiu algo que hoje me a ajuda a entender o que eu sinto, alguém que consegue falar do que sente de um jeito bonito que eu não consigo falar, mas eu tenho a sorte de ver o que esta pessoa escreveu... Os artistas podem nos ajudar a ver a vida que esta acontecendo a nossa volta”.

Fomos apresentados à gratidão diante dos pássaros que cantam “impressionados por estarem vivos”; à surpresa pela “fertilidade das folhas secas, que estavam tão lindas que brilhavam”; à esperança do doente que compreendeu que “é quase uma lei na vida, que quando uma porta se fecha, outra se abre”; ao espanto diante da beleza da flor do cacto e à paz da música que convidava a “dançar na chuva quando a chuva vem”.

Caminhamos pelas ruas da cidade até achar escrito que “existem homens que são como cana, mesmo colocados na moenda, reduzidos a bagaço, espalham doçura”. Mas compreendemos isso melhor, quando visitando uma pessoa gravemente doente descobrimos que os olhares podem carregar ternura. Por isso, entendemos quando alguém apresentou o hospital como um lugar cheio de “estrelas”, porque “a vida é uma estrela e a gente tem brilho”.

Os depoimentos revelaram o ambiente de trabalho como palco de descobertas. Uma oficina de mosaico permitiu perceber “que a vida precisava ser mais colorida” e a necessidade de “estarmos atentos todos os dias”. Mas foi em meio à tensão e ao cansaço do trabalho, que um profissional reencontrou um antigo paciente, agora melhorado, de quem ganhou um cumprimento assim descrito: “Um senhor abraço, que me quebrou”. Fato contundente o suficiente para entender que as coisas podem “ter um resultado, um motivo, um fim” e assim, se tornar “inevitável pensar em todas as escolhas feitas”.

O envolvimento com o trabalho chegou a “criar um estágio que não existia” pela importância de “encontrar um espaço que trazia de volta o que era mais humano e colocava de volta uma vida com sentido”, o que permite concluir que podemos ser modificados pela “experiência e entusiasmo dos outros” porque “o que mais importa são os encontros verdadeiros”.

O tratamento psiquiátrico foi descrito como cenário para conhecer melhor as pessoas e a si mesmo, modificando a visão anterior de que “cada um cuida da sua vida e não tem nada haver com a vida dos outros”. Tornou possível descobrir-se enquanto “uma pessoa com uma sorte imensa diante da família que não sabia ajudar, mas queria muito ajudar”, gerando gratidão por conhecer “pessoas que vão me ajudar para sempre porque vou ter elas na minha memória”.

Foram muitas histórias e o desejo de que nada fosse desperdiçado: “precisei colocar no papel porque é tanta coisa que eu tenho para dizer e é tudo tão importante que não posso esquecer nada”. Vimos a sabedoria e a gratidão que brotam da experiência: “precisei quase morrer para descobrir quanto é grande minha vontade de viver” e “estar entre pessoas que me aceitam como eu sou me deu força”.

Muito do que poderia parecer apenas o pano de fundo do cotidiano revelou uma potência construtiva. Os depoimentos tinham força porque “cada um trouxe um pedacinho importante de si” e “parecia que tudo fazia parte de mim também”, deixando a convicção de que “para a vida acontecer é preciso se deixar tocar”.

Descobrimos a atenção à realidade como caminho para a afeição a vida.

Sergio

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No XV Encontro Comunitário de Saúde Mental, intitulado, “A Vida  Acontecendo”, tive a oportunidade de entrevistar Ana Lydia Sawaya, que trabalha com a questão da desnutrição infantil e foi a fundadora, junto com alguns amigos, do Centro de Recuperação e Educação Nutricional – CREN, que recebe crianças desnutridas em regime de Hospital Dia.

Ana Lydia nos conta que há 30 anos trabalha com pessoas desnutridas e que considera uma grande injustiça uma criança passar fome e, ainda, que ficava comovida diante de tal realidade. E, assim, se move para buscar caminhos para mudar ou melhorar essa situação. Escreve o projeto que dará início a um trabalho de extensão (CREN) marcado pelo cuidado, atenção e disponibilidade para com as pessoas desnutridas. Ana transitava pela favela e relata como era feia, triste, com esgoto a céu aberto, inundações a cada chuva. E ao iniciar o trabalho com seus amigos consideram que a favela precisa de BELEZA. Montam o CREN, preocupados com cada detalhe, a escolha da porta de entrada, as cores da pintura das paredes e fazendo o que era possível para que fosse um lugar bonito. Eles compreendiam que a BELEZA é o caminho que mais corresponde à exigência do nosso coração, que nós precisamos da beleza. Ana afirma que observou que esse posicionamento gerava esperança para que as famílias pudessem operar mudanças...

A janela que se abriu, neste percurso, foi o caminho da BELEZA! Que segundo ela é um caminho antigo na história da humanidade e que a nossa cultura não valorizou. Ensinou-nos que esse caminho, homens antigos já haviam encontrado, e se chama em latim Via Pucretudines ou caminho da beleza... Também os gregos, os filósofos gregos, já tinham se despertado para esse caminho, que em grego se chama Filocalia – os amigos da BELEZA. Esse é o caminho que é possível percorrer a partir de uma tomada de posição diante da vida e da liberdade de cada pessoa. Ana provoca-nos a olhar para as coisas bonitas, como uma música, uma flor de cactos, o por do sol, entre outras. Cita Giussani que diz: que cada ser humano tem a liberdade de virar as costas para a luz e só ver a escuridão, ou virar as costas para a escuridão e ver a luz. Afirma que quem fez a nossa vida fez algo para ser olhado, para ser admirado e quando estamos diante de uma árvore florida isso enche o nosso coração e torna tudo mais leve.  Aponta que esse é o caminho, encontrar nas circunstâncias da vida, o bem, a verdade e a beleza, por mais difíceis que sejam as situações vividas. Finaliza interrogando: porque mesmo eu estando tão triste o sol insiste em nascer? Responde que tem uma coisa que é irredutível, não fui eu que fiz o sol, ele foi feito por alguém que está me dando o sol a cada manhã e eu olho para o sol e digo: OBRIGADA!!! Essa posição é um ACONTECIMENTO da vida com “A” maiúsculo, pode ser uma pessoa, uma flor, uma música, qualquer coisa que encha o nosso coração.

Na sequência do evento, tivemos a oportunidade de ouvir, o músico João di Souza, tenor lírico, que nos brindou com a BELEZA e a emoção da música de alta qualidade. João começa nos contando do trabalho que desenvolve numa comunidade terapêutica voltada para dependentes químicos, na qual afirma usar a música e beleza para despertar para a vida, e o quanto esse seu trabalho está afinado com a proposta dos Grupos Comunitários de Saúde Mental. Ensina-nos a prestar atenção em determinados detalhes da música, para que possamos aprecia-la de um jeito diferente, com mais sensibilidade... E nos convida a prestar atenção na letra da música “Sangrando”, de Gonzaguinha, feita para o seu pai “Luiz Gonzaga” e não para uma mulher, o que muda todo o sentido da música. E viajamos com ele pelo esplendor da música.

João relata de um encontro com um antigo professor que o estimula a ser cantor lírico e que se dispõe a acompanha-lo, ser seu professor, acreditando em sua carreira como cantor lírico. João faz o primeiro show como lírico, que será mais tarde um CD, gravando várias Aves Maria, segundo o cantor, como forma de agradecimento a Deus pela vocação de artista, pela voz que recebeu. Brinda-nos com uma Ave Maria que provoca um silêncio profundo nos ouvintes, diante de tamanha beleza, ou seja, quando vivemos a correspondência não existem palavras para expressá-la... O encontro foi encerrado neste contexto de GRATIDÃO, pela oportunidade de estar lá e partilhar com outros a VIDA ACONTECENDO, surpreendente, simples, singela e acima de tudo bela.

Carmen

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No começo do encontro fui atravessada por uma questão: o que estamos habituados a fixar como presença? ...Guardei esta.

Enquanto os compartilhamentos aconteciam, eu, curiosa, tentava entender o que movia alguém a descer aquela escadaria, ir ao palco, e contar corajosamente algo pequeno, alguns minutos em meio a um dia.

O risco era compartilhar algo que para um parece extraordinário, e para outro... não passa de uma bobeira.

De repente, uma dessas pessoas, movida por algo que eu ainda não sabia, declarou: sou boba!

Ri... achei uma bobeira bonita, uma bobagem alegre.

Pensei nas vantagens em ser, se assumir bobo, e na licença concedida neste momento, àquela que lhe permite qualquer bobagem, bobeira, bobice.

Segui o encontro percebendo em meu corpo como todas aquelas pequenezas vividas por outras pessoas me afetavam.

Eram dez minutos da vida de um, e um nó na minha garganta.

Um abraço na vida de outro, e meus olhos cheios de lágrimas.

O brilho de uma estrela exaltado por um, e um suspiro aqui.

Logo eu não precisava mais entender o que moviam aquelas pessoas, pois seja lá o que fosse, estava presente em mim também.

O frio na barriga aumentava a cada degrau, a emoção entre cada palavra me fazia segurar a respiração alguns segundos.

Vivendo este encontro percebi a grandiosidade de um instante, a potência do outro, de um abraço, de uma gentileza e suas ressonâncias.

Estando presente compreendi que para um encontro acontecer é necessário presença, e que nesta palavra estão contidas duas outras imprescindíveis para sua prática, doação e acolhimento.

  Caroline

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O vento que canta, a semente que germina, a vida que acontece. Disse Oscar Wilde, “viver é a coisa mais rara do mundo”.

Em Ribeirão Preto, participantes dos Grupos Comunitários reúnem-se semanalmente para compartilhar experiências. Desses encontros, surgiu um evento anual, que teve sua 15° edição realizada no dia 24 de novembro, no auditório da Faculdade de Direito da USP.

Tive a honra de estar lá para ser encantada. Com simplicidade valiosa, pessoas diferentes são convidadas a declamar poemas, apresentar músicas, ler trechos de livros preferidos e contar memórias ou fatos cotidianos. Assim, sem pretensão, uma enorme cumplicidade passa a existir entre todos que estão no auditório. Os rótulos se vão. O doutor, o paciente, o aluno e as demais profissões deixam de importar. Ficam as pessoas.

Através do outro conseguimos olhar para o eu. Como um dos participantes observou, “são gestos, falas e histórias que colocam em nossas vidas sem querer e nos fazem olhar para dentro”.

O evento é uma compilação de momentos dos grupos comunitários, que buscam estimular nosso olhar à realidade e a aprendizagem por meio do compartilhamento de vivências. São combustíveis para a vida.

“Vida que passa independente da gente, mas para ela acontecer, é preciso se deixar tocar”, disse um sábio durante o encontro.  Vida que, com suas sutilezas, está sempre nos ensinando a VIVER. Vida que pede olhar atento na construção da nossa própria poesia.

Os poetas que conheci nesse encontro já aprenderam a lição.

Néliane