Grupo Comunitário do dia 18 de Setembro de 2012



"Viver é a coisa mais rara do mundo.


A maioria das pessoas apenas existe."


Oscar Wilde


Em um dia quente de inverno em Ribeirão Preto, ainda sonolenta, juntei-me a tantas pessoas tão diferentes para pensarmos sobre a vida que acontece. Alguns minutos depois, tinha início o Grupo Comunitário de 18/09/2012. A localização que escolhi, logo notei, era privilegiada: sentou-se ao meu lado uma senhora que é toda vida: seu jeito de falar, andar, vestir-se - tudo lembra movimento, energia. Um belo começo, concluí. O sono então me abandona. Que sorte! Sinto-me viva outra vez.


A provocação inicial é certeira: fala de respostas automáticas que usamos com frequência inaceitável ao longo de nossos dias. Será admissível vivermos um dia - um só!- que pudéssemos definir como somente "normal"? Não, penso. Definitivamente não. Mas fazemos isso a todo o tempo: "ah, hoje o dia foi normal, nada demais", respondemos entediados às perguntas sobre o nosso cotidiano. Quantas vezes fiz isso, concluo com algum incômodo. Não deveríamos aceitar dias normais.


Seguimos, e uma integrante lê três -três!- poesias de sua autoria. Os temas tratados são diferentes: uma fala de angústia, a outra sobre o próprio Grupo Comunitário. Esta última, ela fez nos minutos seguintes ao encontro anterior. Os poetas sempre me encantam: falam delicadamente de sentimentos e percepções tão universais que chegam a causar um certo espanto. Ora, como é que outra pessoa pode traduzir tão bem algo que eu senti? Percebo que essa surpresa não me é exclusiva: olhos atentos, pessoas se mexem nas cadeiras. Afinal, não somos tão diferentes assim.


As demais contribuições não foram menos importantes: músicas, poesias, lembranças vindo à tona. Um relato comovente de uma pessoa que, há pouco tempo, imerso em profunda tristeza, pensou que não haveria outra saída que não a morte. Ficou internado, contou. E, esse tempo, usou para refletir. Agora, conclui emocionado que se encontra em conflito: pensou na mãe, nos irmãos, nos amigos. E olha para o futuro com angústia e esperança: a vida cresceu. Talvez a morte não seja a solução. Às vezes precisamos morrer em vida, penso. E então despertar, e continuar vivendo.


Relatos emocionados e intensos sobre morte e vida movimentam o grupo. Pensamos sobre tristeza, angústia, desesperança. Sim, a vida também acontece nessas horas. Talvez, porém, não estejamos sempre capacitados a percebê-la. A doença pode cegar ou e fazer-nos ver somente a estrada obscura e tenebrosa que leva à morte. Será? Não, defende um outro integrante. Conta ele sobre seu plantão da noite anterior: foi chamado lá pelas tantas da madrugada para ver uma idosa moradora de um hospital psiquiátrico que apresentava hiperglicemia. Caminhou desanimado para o quarto onde ela estava, tendo a certeza que encontraria uma pessoa doente, desanimada e sem nenhuma expectativa com relação ao próprio futuro. Enganou-se. Deparou-se com a leveza: uma senhora sorridente, bem-humorada. Retornou ao quarto diferente: agora, ele também estava vivo. Tenho para mim que ele deve ter custado um pouco mais para dormir pensando naquela senhora.


Nessa hora, vi-me observando a sala onde a gente se encontrava. Os grupos são todos feitos ali, de modo que passo boa parte dos meus dias lá. E eu não havia reparado nela até então. É uma sala grande, cheia de detalhes. Um painel à esquerda com recados, figuras. Uma porta de vidro à esquerda, várias cadeiras, dois armários grandes e janelas de vidro que permitem a vista das árvores que balançam com o vento lá fora. Ocorreu-me naquele momento que a nossa vida caberia naquele lugar: se um armário me incomoda, por exemplo, e eu ficar olhando só para ele, perco os detalhes da sala. Com o tempo, é capaz de ele crescer e ocupar a sala inteira. Pronto: nesse momento, a gente vira só a doença, ou só o problema que nos aflige. Não sobra espaço para a vida acontecer. É nesse momento que o Grupo me sacode e me aponta as árvores, os painéis, as figuras e diz que a vida não é só isso. A vida nunca é uma coisa só.


Ocorreu-me, então, em meio a tantas conclusões importantes em um curto espaço de tempo, que o Grupo Comunitário me faz lembrar de quem eu sou. E de como eu sempre posso perceber mais detalhes, sentir, ver, ouvir, encantar-me e viver um pouco mais. Ou, como disse a citação que finalizou o Grupo: não permite que eu seja privada de viver a minha própria experiência.



Maria Clara



Um comentário:

1.      



Lendo esse relato sobre os grupos, fiquei tocada especialmente quando Maria Clara, diz:

"Relatos emocionados e intensos sobre morte e vida movimentam o grupo. Pensamos sobre tristeza, angústia, desesperança. Sim, a vida também acontece nessas horas. Talvez, porém, não estejamos sempre capacitados a percebê-la."

Essa é uma verdade que descobri há pouco tempo e tenho redescoberto sempre. A tristeza e a dor também nos movimentam, mas as vezes precisamos perseverar pra percebermos isso.
Pensando nisso, lembrei de um senhor com quem conversei no final de um dos encontros do grupo comunitários.
Ele muito sabiamente me disse: "Estou cada vez mais certo de que é muito fácil ser triste e amargo, mas pra ser feliz temos que insistir e lutar".
Nunca esqueci desse senhor, embora nunca mais tenha visto ele, essas palavras ficaram em mim e a cada dia fazem mais sentido, pois tenho visto que quando perseveramos na dor e acreditamos que ainda podemos ser felizes, temos a oportunidade de resignificar o sofrimento e vê-lo com outros olhos.

Marília Hormanez







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Grupo Comunitário do dia 11 de Setembro de 2012


Grupo Comunitário de Saúde Mental – 11 de setembro

Grupo Comunitário de Saúde Mental● terça-feira, 11 de setembro de 2012

 

 

 

 

O grupo de hoje seguiu com o tema: A Vida Acontecendo...

 

 

Na entrada do grupo, por entre cumprimentos, recebo a notícia de que uma participante fará uma cirurgia e irá se ausentar por algumas semanas “pediu para avisar porque estava com medo de perder o lugar no grupo”. Algo trivial, mas esta não é já a vida acontecendo? Que alguém reconheça a possibilidade de estar presente e tenha receio de perder algo que considera precioso. Penso que ela poderia ter considerado sua presença pouco relevante e concluo que este pequeno aviso já carrega um significativo valor.

 

Também no final do grupo, encontrei uma participante sentida do lado de fora: “cheguei somente agora, o ônibus quebrou” e mostrou a bolsa com as músicas que tinha separado para trazer ao grupo. Reconheço que ela fez falta, mesmo antes de ver o que havia trazido porque sua dedicação e generosidade são o maior presente para o grupo. Em um mundo marcado pelo “cuido de mim e os outros que cuidem deles”, não é pouca coisa encontrar alguém sentida por não ter compartilhado algo com o grupo.

 

 

Aliás, os compartilhamentos são a regra do grupo, sua razão de existir porque representam pedaços de si oferecidos aos outros.

 

O tema da morte esteve presente no grupo de hoje. Veio com o relato surpreendente de uma pessoa que reconheceu nas mensagens dos netos depositados sobre o corpo do avô no caixão algo de extraordinário:“Quando eu cheguei no velório, quando cheguei perto do caixão, o que me chamou atenção, eu quase sorri porque em cima do corpo tinha quatro bilhetes dos netos cheios de desenhos dizendo pra ele: “Vô, fica com Deus”, “Eu te amo”... Achei aquilo de uma beleza tão grande, de uma simplicidade. As crianças olhando para aquela morte, sabem que vão ficar separadas do avô, mas olhando para aquilo como um fato natural da vida...”

 

 

A história mobilizou o pedido de apoio do grupo feito por uma participante que esta acompanhando a doença muito grave do pai. Este fato não passou desapercebido por outro jovem participante. Ouvindo o relato, ele se deu conta de que tinha se afastado do pai: “Voce falou que seu pai vai morrer e eu pensei, mas espera ai eu também sei que meu pai vai morrer, só que eu tenho aquela visão de que vai demorar muito... aí eu lembrei que voltei de férias há um mês e não falei mais com ele. Eu vou ligar para ele hoje, com certeza... eu vou ligar para ele”. Esta capacidade de acordar, a partir do depoimento do outro foi logo percebida e valorizada por uma outra integrante.

 

 

Houve ainda o relato de uma participante que contou de“uma das lembranças mais belas... a família inteira, todos os filhos e netos acompanhando os últimos suspiros do avô... Havia paz, a gente estava ali se despedindo....”.

 

 

Achei impressionante verificar que acompanhando relatos de experiências com a morte percebemos a vida acontecendo. Isto tudo tornou mais compreensível textos que haviam sido trazidos logo no início do grupo:

 

 

O primeiro de Cecília Meirelles e o segundo de Antoine de Saint Exupéry:

 

 

“Tudo é vivo e tudo fala ao nosso redor, embora com a vida e voz que não são humanas, mas que podemos aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. O vento é sempre o mesmo, mas sua resposta é diferente em cada folha. Somente a árvore seca fica imóvel entre borboletas e pássaros.

 

 

“É apenas com o coração que se pode ver direito: o essencial é invisível aos olhos”

 

 

 

Sergio



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